7.7.09

A um ilustre futuro

É a segunda porrada que eu dou nesse despertador, 12 minutos atrasada e eu levanto pra lavar o rosto. É engraçado como a gente acorda devagar, primeiro as pernas, depois os olhos pra tentar não bater a cara nas coisas e depois a torneira. Merda de cabeleireiro, eles nunca acertam mesmo. Todos os banheiros têm espelho, mas nem deveriam. Deprime de manhã. Hoje é um dia estranho, sei lá. Cara de quarta, mas já é sábado. Eu gosto de quartas. Todo dia é o mesmo café da manhã, mas eu nem percebo e nem enjôo, eu acordo depois de comer. Seis e quinze, saco. Não vai dar tempo de inventar moda hoje. Roupa, calçados, dentes, mochila, mãe beijo, escadas e cacete, eu sempre esqueço o celular. Depois do trevo eu peço, pai, me dá dinheiro, e ele pergunta, cadê o dinheiro da semana passada?, gastei, lógico. No sinal ele me dá, e eu chego a tempo de pegar o lugar de sempre. Aula é sempre a mesma coisa. Os professores falam, eu anoto, algum me chama pelo apelido, kakau, eu gosto. Vai ter churrasco esses dias, quero ir. Acho que vai ser um saco, não gosto muito de gente da minha idade quando estão no coletivo. Pessoa é melhor no singular. Sempre vai professor, aí é bom. Ficar não é comigo, gosto de companhia, singular. Amor é um troço estranho, a gente chora e ri quando ama. Juntar uma coisa ruim, chorar, com uma coisa boa, rir, e dar amor que é uma coisa ótima. Nunca vi. Deve ser normal, o amor. Nem rir nem chorar, alguma coisa no meio. Amor amor amor. Quatro letras, todo mundo sempre lê mais do que isso. Amar demais. E mede como? Amôrmetro, arrã. Falei isso esses dias não sei com quem. Amor é um troço que se sente, e só. Olhando pras estrelas, pro cachorro, pro namorado, pro exercício de matemática. Se fechar os olhos também dá. Quem beija de olho aberto não gosta de verdade, ele diz. Gostômetro. Eu já amei. Dois ou três, não sei, não medi. Loiro, careca, cabeludo. 1,80 pra cima, eu sou baixinha. Dá pra amar muito, e não ser correspondida. Vai ver é, quantos metros você ama?, eu perguntaria. 1,58. Três mil quilômetros, quinhentos e noventa e depois não passei dos cinqüenta. Deve medir em centímetro então, quanto mais perto, mais amor. Nem é. Bom mesmo é quem conversa com a gente, você gosta de arcade fire?, ele pergunta. Comento do cenário geopolítico mundial, ele abraça, beija, ama, conversa mais. Deve ser como ter um diário pensante, companhia, singular. Igual não, é monótono. Conversa precisa de plural, diferença e ouvidos. Ouvir e falar. Singular com singular dá plural, aí é bom. Gente burra não dá, como assim efeito estufa?, ele pergunta, eu explico. Pretensão, pior. Eu já sabia, ele diz, arrã, eu digo. Alma gêmea nem deve existir, 6 bilhões de pessoas. Se a minha for um chinês eu tou fodida, vários milhares de quilômetros. Um dia acho alguém pra compartilhar meu singular, criar um plural a uns centímetros ouvindo beautiful people com o amôrmetro ao meu favor, eu digo. Você terá um ilustre futuro, ele diz. E sorri.

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Texto escrito dia 09/03/07. E porra nenhuma mudou.

2 comentários:

  1. Lindo.

    Me causou uma pontinha de calor no coração, sabe?

    Além de escrever bem, você é muito intensa. (:

    Adorocê, kakau! :****

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