Eu tive uma infância muito mágica. Até os quatro anos, morei num prédio pequeno na Rua Pimenta da Veiga, no bairro Cidade Nova. O prédio não tinha área de lazer, mas o pátio de manobra da garagem era descoberto e lá eu passei bons tempos da minha vida jogando ladrilhos de concreto pra cima (talvez não no plural, porque um deles resolveu cair na minha cabeça um dia, e tenho fortes motivos pra acreditar que tenha sido o último que eu joguei).
Meu pai, sempre exercitando suas várias habilidades, construiu um balancinho pra mim, mas nada muito complexo: uma tábua de madeira com dois furos, duas cordas e ganchinhos na laje de cima da nossa vaga. Quando não estava em uso, era só enrolar o balancinho nas cordas e deixar ele lá, junto do teto. Eu me lembro de alguns vizinhos, do cheiro de sapólio no dia de limpeza das escadas e de ficar na grade da janela, olhando o movimento da rua.
Mudamos prum prédio imenso. Área de lazer imensa. 72 apartamentos. Muitas, muitas crianças. Lembro de jogar Magic numa salinha pequena que ficava na área de lazer. Mesma salinha em que eu e meus amigos gravamos nossa própria versão de Star Wars aos 10 anos de idade. Totó, Polícia e Ladrão, Pique-esconde, joelhos cortados espirrando sangue, vidraças quebradas, campeonatos de peteca, nadar à noite, fazer churrasco nos finais de semana, ver Marte no céu durante uma festa junina, jogar videogame de galera, bolar engenhocas de passar bilhete pela janela (quando poderíamos muito mais facilmente usar o interfone). Eu fugia de casa pra ver Cavaleiros do Zodíaco, porque mamãe dizia que era muito violento. Invadíamos o salão de festa e fazíamos nossas festas americanas.
Eu adorava soltar pipa na Praça do Papa e passear de bicicleta na Praça da Liberdade. Dar pipoca pros peixinhos no Parque das Mangabeiras. Ir pro Municipal domingo de manhã (ou pro Guanabara) e voltar pra casa e ficar assistindo Caverna do Dragão.
Minhas viagens pra praia! Areia na calcinha do biquini e sempre torcendo o nariz pros frutos do mar. Tostar no sol e ficar vermelha e descascar era lei. Lembro de todos meus brinquedinhos aquáticos e infláveis: avião, jacaré, bóias de braço. Sem falar que praia me lembra Recife que não tem como não me lembrar de casa de vó. O pé de acerola no quintal daquela casa branca, meu primo de xº grau caindo da árvore e quebrando o braço. Viagem pro sítio do vizinho no carnaval, eu tentando descolorir uma mecha de cabelo com água oxigenada (say whaaat?). O Parque da Mônica e a primeira vez que eu fui pra São Paulo, e como eu me apaixonei pela cidade de um modo irreversível e incontestável. Consigo me lembrar das roupas que eu usei naquele inverno, mesmo que não haja nem uma foto.
O modo como The Cranberries combina com dias frios e com o cheiro da loja Alemdalenda que tinha no Diamond e que fechou há séculos. Sorvete de qualquercoisamenoschocolate na São Domingos. Viagem pra Curitiba, o Bosque do Alemão no caminho da Jardineira. Minha imaginação fértil em Monte Verde, meus passeios na Lagoa Rodrigo de Freitas lá no Rio.
É, eu fui uma criança feliz. Só não me lembro muito bem do momento em que eu virei adolescente. Do mesmo jeito que hoje eu viro adulta, quase sem perceber...
Mas às vezes me olho num espelho de um lugar qualquer e vejo aquela criança com chiclete no cabelo, juntando dinheiro pra comprar a Barbie pelo preço anunciado (e reclamando no balcão do consumidor das Lojas Americanas). É, é. #iremember.
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